Há um crescimento inarrável do núcleo familiar, que acaba contribuindo para problemas de cunho social e econômico para a própria família. Com este crescimento, é necessário um planejamento familiar, compreendido como uma atividade onde a família estabelece a quantidade dos membros. Como o Estado, no art. 226, da Lei Pátria, se comprometeu na proteção da família, deve, então, propiciar mecanismos eficazes deste planejamento, dispondo, de acordo com o §7º, de instrumentos científicos e educacionais para efetivar este direito, sem efetuar qualquer ação coercitiva ou até mesmo a prática de eugenia – tese que procura produzir uma seleção nas coletividades humanas, apoiada em leis genéticas. Logo, com uma paternidade responsável, não há a possibilidade de procriação irresponsável ou até mesmo abandono de incapazes, garantindo os direitos fundamentais dos filhos em serem sustentados, protegidos, guardados e mantidos sob afeto.
É o que estabelece o art. 227, da Constituição Federal sobre a responsabilidade parental: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Desta forma, o constituinte garantiu à criança a convivência familiar e social, não podendo ser excluída ou afastada da sociedade, sendo, assim, proporcionado a elas vínculos saudáveis e desenvolvimento progressivo da personalidade.
Neste contexto, pontua NEVES (2012, p. 99):
Nesse caso, a questão que se coloca é a seguinte: a visitação é um direito do genitor que não detém a guarda da criança ou é um direito da criança? A resposta deve ser formulada a partir de duas noções básicas: a da paternidade (ou parentalidade) responsável e do melhor interesse da criança. A geração de uma criança impõe grandes responsabilidades aos pais. É certo que, com a paternidade/maternidade, surge o dever de guarda, sustento, educação, que estão implícitos na noção de paternidade e maternidade. Mas a educação não é apenas proporcionar uma educação formal (escolar). A educação dos pais é o processo pelo qual se transmite conceitos, valores morais e familiares, regras de trato social e conhecimentos práticos para a vida. E são estes ensinamentos que ajudam a formação da personalidade da criança, o que torna o convívio familiar fundamental para o ser em formação de sua personalidade. E não só os pais, mas todos os familiares contribuem para este processo.
Pelo Princípio do Melhor Interesse da Criança, a regra é estimar os interesses que melhor lhe favoreça. Como por exemplo, se o convívio com os genitores ou o restante da família for importante para o desenvolvimento pessoal da criança, então o direito de visitas e a guarda é um direito intrínseco do menor. Desta forma, corroborando com o entendimento que o afeto também seja um direito fundamental, o impedimento de um dos genitores à visitação do outro, é considerado alienação parental, conforme o art. 2º, da Lei nº 12.138: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Dessa forma, nem mesmo o não reconhecimento da paternidade, é capaz de eximir o pai de suas responsabilidades, que dirá quando é reconhecido e abandona de forma afetiva a criança. Gera, pois, dano moral, afastado somente se há o desconhecimento sobre a existência do filho, retirando, assim, a responsabilidade civil do genitor.
Um questionamento sempre abordado é o fato de o abandono moral independer do abandono material. Nesta conjuntura, entende NEVES (2012, p. 106): É muito comum haver pais que cumprem com a prestação alimentícia e que esquecem que o filho não requer apenas a assistência material, mas, também, a assistência moral. Não obstante a assistência material dada pelo pai, isto não basta. É necessária a assistência moral, proveniente do convívio familiar. Mesmo que haja meras visitas esporádicas, o abandono afetivo pode ser caracterizado. A CR/1988 estabelece o direito ao convívio familiar e ao convívio social. Estes não podem, portanto, ser confundidos. A convivência social é aquela encontrada nas escolas, nas academias, na praia, nos clubes, etc. Nestes lugares, as pessoas se encontram, conversam, divertem-se, enfim, socializam-se. A convivência familiar exige mais. É na família que os valores morais são transmitidos, o afeto é compartilhado e há troca de experiências entre as gerações.
Conclui-se isto no sentido que convivência social não é sinônima de convivência familiar, e aquela de nada pode substituir esta. Assim, mesmo com a manutenção material do genitor para com seu filho, pode restar configurado um abandono afetivo e, desta forma, ser responsabilizado civilmente por danos morais. Vale ressaltar que estas penalidades não se equiparam às deficiências emocionais e as ausências físicas em que este tipo de problema proporciona às crianças debilitadas. No entanto, na função protetiva em que o Estado se encontra, desta forma há uma sanção em uma área complexa, como é a das famílias, sem invadir o contexto total e particular de cada situação.
ABANDONO AFETIVO INVERSO
No ordenamento jurídico, a discussão acerca do abandono dos filhos pelos seus pais é, de certa forma, antiga. No entanto, começou a surgir diversas situações no Poder Judiciário onde os genitores ensaiavam indenizações a seus filhos pela inexistência da assistência material ou moral por parte deles com aqueles. Desta forma, ALVES (2013, online), então diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), declarou, em entrevista, fundar-se em abandono afetivo inverso:
A inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família. Restou esclarecido que a nomenclatura “inverso” vem exatamente pela conjuntura oposta da relação paterno-filial, já que há o mesmo mérito jurídico entre os cuidados filiais e a responsabilidade paternal. Também chamado de “às avessas” ou “invertido”, não reflete somente o abandono imaterial (afeto, carinho, cuidado), dos filhos aos pais, mas também acerca do não provimento material (alimentos), em um momento delicado da vida dos genitores que, em regra, deveriam ter uma maior assistência pelos entes mais próximos.
A Carta Magna reconstruiu o assunto “família”, e em vez de um aspecto tradicional e patriarcal, houve novos moldes e estruturas, de acordo com a evolução e desenvolvimento da sociedade. Desta forma, consolidou ainda mais o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e trouxe o Princípio da Solidariedade como algo vigente e essencial entre membros familiares, independente de ascendência ou descendência.
A Constituição, em seus termos do artigo 229, fala em dever, o que descarta a mera faculdade e acarreta uma implicação jurídica, principalmente no âmbito da responsabilização civil.
No âmbito infraconstitucional, não há uma regulação expressa sobre o tema, mas é possível retirar do caput do artigo 3º do Estatuto do Idoso, a obrigação afetiva inversa: Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (grifo nosso).
Certamente, este abandono influenciará na vida dos genitores, da saúde psicológica dos mesmos e até em sua própria dignidade, quando há o desprezo do seu direito à uma saudável convivência familiar. A situação deste abandono “às avessas” é recorrente em outros locais do mundo, como é o caso da China, que criou Lei em 2013, conforme HALTON (2013, online), obrigando filhos à visitarem os pais e punindo com prisão aqueles que infringissem a lei.
MARTINS (2014, online) argumenta que a lei criada pela China é um exemplo de legislação que regulamenta diretamente o tema e opina em relação ao Brasil:
(…) o Brasil ainda não alcançou esse nível legislativo especificamente ao tema, mas penso ser suficiente a expressa previsão constitucional, que impõe um dever, e não uma faculdade, para fazer valer a possibilidade de
reconhecimento da responsabilização civil dos filhos que abandonam afetivamente os pais, resolvendo-se no campo do reconhecimento do dano moral (…) Assim, restou claro que o abandono afetivo “invertido” existe e está intimamente inserido no ambiente familiar da sociedade brasileira. Resta saber quais são os maiores empecilhos do ordenamento jurídico em legislar sobre um tema tão delicado e minucioso. Não há como desdenhar uma massa, atualmente tão grande no mundo, como é a dos idosos, que se encontra desamparada pelo Estado e maltratada por seus familiares.